Não consigo dormir. Voraz é a chuva de pensamentos que assolam os campos da minha mente. Estou aqui enquanto eu, não enquanto personagem ou autor, escritor ou ignorante. Fazia mais falta, haver sinceridade assim, tão nua que quase poderia ser censurada indevidamente.
Várias razões me trazem cá, vários fragmentos e estilhaços do espelho da minha alma que ora me atormentam, ora me sustentam. Sentir é fácil, bastante simples até. Aquilo que fazemos com esses sentimentos, contudo, é algo completamente diferente. Instinto é algo automático, prático, muitas vezes errado, nada tem a ver. Nós é que "decidimos", por cada sentimento que nos invade, as acções mais dignas ou infiéis a associar ao mesmo. Aí é que falha a mente humana, não é prática. Está a tentar transparecer a teoria através dos sentimentos e muitas vezes cai, arrasta-se pela gravilha do desgosto. Mas o problema principal não será esse. O pesadelo surge quando se criam as perguntas: E agora? O que fazer?
Decisões rapidamente se tornam espadas afiadas que podem triunfar sobre o inimigo ou trespassar o próprio coração. Admito, enquanto ser humano, que não é fácil lidar racionalmente com aquilo que se sente. Dou por mim a procurar a felicidade em mim e nos outros, é um objectivo bonito, correcto? Pois bem, o que acaba por acontecer é eu ter que sacrificar a minha felicidade para, pelo menos, ver os outros felizes. Não é um bom final para mim, mas pelo menos já me consola o facto que ajudei alguém. Pena que nunca soube ajudar-me a mim mesmo ou que alguém soubesse estender a mão. Não importa quantas vezes erramos ou quantas vezes voltamos a cair, porque alguém nunca poderia ser julgado por isso. O que se decide fazer após a queda é que é importante, a força e a honra da alma transparece por cada acto nobre que cometer, ou por cada acto maldito que evitar. Ninguém é invencível e pode pedir ajuda para ultrapassar as intempéries.
O granizo de dúvidas cai fortemente no poço do meu ser, abalando a própria estrutura. Pergunto-me porque me preocupo tanto com o mundo, sendo tão despreocupado comigo mesmo, deixando-me à deriva por entre as ruas escorregadias da desilusão, onde cair é a coisa mais certa. As minhas decisões e actos podem não ter sido sempre os melhores, mas foram meus e orgulho-me disso. O maior desafio pessoal será admitir os erros e, principalmente, aquilo que se sente. Nunca tive medo por medo, nunca me escondi para não dizer o que sentia. Mas a falta de resposta agonizou-me. Deixou-me petrificado. Quando acreditava que estava a lutar pela minha felicidade, estava apenas a preparar a minha alma para levar mais uma facada nas costas. Existem coisas que se merecem, coisas que não se explicam, coisas que apenas existem. Sorte, ou falta dela, é o conjunto de tudo isso. Não existem pessoas azaradas, existem pessoas conformadas com o azar.
Não estou infeliz. Não estou feliz. Não sou frustrado nem sereno. Tenho dias para tudo. Nunca pensei terminar a minha vida porque assim estaria a desperdiçar o meu já escasso tempo. Ser-se feliz ou infeliz não é nem nunca será plausível neste mundo por razões óbvias, nada é constante, tudo muda. Talvez por isso seja tão difícil engolir a forma de viver estática dessa gente que por aí anda dizendo-se racional mas não pensa, não duvida, não auto-critica. Vive tão ocupada com o materialismo, com o que diz respeito aos outros e não consigo, com a luxúria, enfim, é um caso perdido. Culpa nossa, não soubemos dar valor quando havia pouco, muito menos saberemos agora na abundância. Ninguém precisa de gritar alto e bom som que somos doentes psicológicos em estado crónico , apenas se pedia que não fossem cegos e surdos e que tivessem consciência activa.
Não sei o que fazer a seguir. Tenho vários assuntos ainda em suspensão na minha consciência. Tenho vários estilhaços ainda bastante dispersos no espelho da minha alma. Ontem já foi embora, amanhã ainda não chegou. Não sou de desistir nem vou pensar em fazê-lo, em qualquer situação desta solene vida. A busca pelo amor no plural e pelo momento certo para dizer "Estou feliz!" irá continuar. Mas hoje já é tarde. Dei muito trabalho a esta mente já por si só demasiado exercitada. Fico de luto por ela, pela sua consideração para com esta humilde pessoa e pela prosa que sustenta os meus porquês de viver. Espero o dia em que voltarei a ver a mente rejuvenescer com forças para enfrentar mais um episódio, mais um desafio. Espero o amanhã.
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