27 de outubro de 2010

O que não se vê

Um amanhecer que escurece o olhar.
A vontade de querer e nunca tal vontade chegar.
A força de tanto amor que sem força se torna odiar.
Um sentimento que turva o pensamento.
O sarcasmo silencioso do dizer sem tento.
O sofrer conformista da hipocrisia com alento.
Um certo que anoitece a percepção.
A visão transfigurada em perfeita confusão.
O fingimento do mundo no seu estado mais pagão.

Não existem morais a serem ensinadas.
Não existem verdades a serem enviadas.
Não existem esperanças a serem lançadas.
A fantasia é uma realidade com morfina.
A mentira é uma janela falsa com cortina.
A vida é uma corda resistente demasiado fina.
Existem dores que trespassam o próprio doer.
Existem palavras mais poderosas que o escrever.
Existem visões mais sentidas que o verdadeiro ver.

A melancolia desta alma é incurável.
A cegueira desta gente é intragável.
A conveniência dos seus actos é detestável.
Só sabem pensar nelas próprias e no seu ego.
Só conseguem ver um buraco na parede sem o prego.
Só conhecem a visão de quem é triste, pobre e cego.
Eu vivo na esperança que a minha luta valha a pena.
Eu quero que a justiça resista a esta tempestade serena.
Eu comprometo-me perante este fardo e vida pseudo-terrena.

Talvez haja muito mais que o que simplesmente se deseja.
Talvez querer ou desistir é apenas o duro caroço da cereja.
Talvez tenhamos de pensar que o que não se vê...tem muito que se veja.

11 de outubro de 2010

Fugitivo

Nunca sei fugir.
Constrangimentos, pensamentos, grades pessoais.
Todos esses atentados à força da escrita.
Tamanha desconcentração que me causam e me deixam em dúvida.
Nunca soube fugir.
Expectativas, vontades, muralhas pessoais.
Tantas criações mentais forçadas a existir.
Grande a queda associada à crueldade do destino.
Nunca sabia fugir.
Um eu, um tu, amores pessoais.
Vidas entregues à mercê dos ventos.
Vassouras que varrem os cacos daquilo que vai restando.
Nunca saberei fugir.
Fugas, evasões, impossibilidades pessoais.
Verdades imutáveis que doem sem doer.
Como uma única pessoa pode ser tão livre e tão massacrada.

Nunca fujo.
Mas não me dou por vencido.
Nunca fugi.
Mas entreguei a alma ao incerto.
Nunca fugiria.
Mas não vou ser prisioneiro.
Nunca fugirei.
Mas sou um fugitivo.

Sou um fugitivo em papel,
Profiro letras em direcção ao infinito.
Sou um fugitivo do mundo cruel,
Caminho nas linhas da página do próximo texto escrito.

E pergunto-me eu, afinal, de que fujo,
Se do mundo, se do meu próprio dito cujo...