23 de fevereiro de 2011

Interior

A vida é feita de nadas.
Procurei, vasculhei, no lixo de vida nadei,
Em vales e rios de matéria me desloquei.
Coloquei-me à frente do que se vê
Para encontrar o meu ser genuíno,
O elixir mortal de poder divino.
A música ecoou por entre o meu silêncio
E descobriu o meu vasto interior,
A minha timidez sem qualquer pudor.
O mar afogou-me com um profundo
De significados ocultos e distantes,
Alojados nestas veias coagulantes.
Sentimentos são como o vento
Que pode vir calmo e sereno,
Como faz a vida parecer veneno.
O meu interior é uma alma
Que muito poucos saberão ver,
E ainda menos poderão entender.
Os sonhos são o meu sangue
E correrão para sempre na minha mente
Fogosa, eterna, e livremente.

14 de fevereiro de 2011

Andar com o mundo às costas

Começo por começar, não tenho forma de começar melhor. Não tenho forma de todo. O peso destas nuvens psicológicas pareceria minúsculo, não fossem elas carregadas de chuva, chuva que torna escorregadio o piso por onde passa tanto pensamento. Quando acreditar que todo aquele asfalto percorrido pode ter sido em vão, aí, terei tropeçado. Várias vezes.
Nem a poesia consegue ser agressiva o suficiente para derrubar o significado de andar parado. Porque estar parado é uma opção, andar sem se mover é uma prisão. Estar parado é querer morrer, andar e não se mover é estar condenado à morte. Estar parado é decidir que um exemplo não basta, andar parado é o único exemplar que existe. Ser rude é tão acima, ser apenas firme é tão abaixo.
Andei, andei e continuei a andar. Estou em perpétuo andamento. Mas indubitavelmente, parece que o mundo vai mais rápido. Tão rápido que me sinto no mesmo sítio, perpétuamente. Castigado pelo tempo a ver todos os demais passar por mim, inconscientes, altivos, provavelmente a olhar e ver apenas chuva. Sim, a mesma chuva que faz tropeçar. A chuva que para eles apenas molha, evapora e assim prossegue. Mas que a mim atormenta.
Enquanto me destruí mentalmente vezes sem conta por todas as decisões que devia ou não devia ter feito, o mundo mudava, com a mesma despreocupação de sempre. Despreocupação que eu não conseguia atingir, que a porta de entrada não deixava ver. Por alguma razão a chave nunca existiu ou apenas nunca foi encontrada, não sei, tantas gavetas dentro desta cabeça desordeira e ineficazmente posicionadas, é possível. Tantas coisas já me deixavam ocupado, varrer o chão das desilusões que foram deixadas por "humanos" (ninguém é asseado hoje em dia...), limpar o pó à caixa-forte avermelhada cada vez mais atordoada, deitar fora todas as noites em que chegava sempre à mesma conclusão. "Não chega" (talvez devia ter usado mais lubrificante...mental).
Existe apenas um compartimento que resiste ao apodrecer, no meio de tanta cicatriz profunda. Não existem sentimentos que o apaguem, tempo que o enfraqueça, chuva ácida que o desgaste. O compartimento da alma é livre e excepção, é magia sem poção, é motor livre de combustão. É rima sem poema, legenda sem esquema, assunto sem tema. Devo-lhe a existência não apenas física e limitada, devo-lhe a força. É no ridículo que se encontra o caminho, é da descrença que se encontra uma forma de acreditar, é no meio de duas ruas...que se encontra um atalho (as paredes também enganam. Um pouco como as pessoas, mas mais [di]rectas).
Muitos não vão entender a expressão de "andar com o mundo às costas", talvez porque não saibam ver nem imaginar outra coisa que não alguém que tem tudo em cima de si. Pelo contrário, não possuo nada, não sou nada, eu sinto-me constantemente parado enquanto ando à procura de sentido em tudo aquilo que deveria fazer sentido...pois, não tenho mesmo jeito a guardar chaves, apenas vislumbro cadeados e cofres. Mas hei-de encontrar, hei-de ser, hei-de conseguir.
O mundo está às minhas costas porque ele evolui, e eu? Bem...por enquanto eu fico com uma valente dor nos ossos!

7 de fevereiro de 2011

Identidade

Perdi o meu espelho visual.
Sou mais uma sombra por entre a luz escurecida.
Sem face, sem recordações nem perspectivas.
Sou mais um que equivale a zero,
Uma soma nula ao mar de faces anónimas.
Já não me vejo a ser, somente a querer tornar-me
Em algo mais que isto ou menos que aquilo
Num desenfreado tormento calmo e impetuoso em mim.
Encontrei vários reflexos cegos que não me pertencem,
Vários eus quebrados em tus desconhecidos.
Vieram perante mim com toda uma vida igual e indistinta
Que me levou aos recantos do nada
E aos segredos de uma vontade extinta.
Pobre rima equivocada aqui desamparada
Sem existência pura com força desancorada
Sarcastica e propositadamente largada
Pelo orgulho do meu ninguém acompanhado do ser eu.
Farto que estou de ser gente.
Insulto, ser entregue à impotência do conceito do limitado
E ao destino dos cadáveres deambulantes nas ruas.
As minhas escolhas nunca foram as tuas
E de novo vem a rima mostrar a sua individualidade
No meio de tanto discurso disperso e de disparidade.
Por entre esta crise de identidade atordoada pelo viver
Entre o que vai sendo meu e o que é meu por direito
Vem tudo o resto, vem portanto tudo.
Condenem-me enfim
Enquanto a rima olha para mim
E me diz que o igual para todos não tem que ser assim.
Eu sendo eu, apenas tenho que aprender a ser,
Um foragido de todos os significados que implicam o existir.
Identidade que seja minha já lá está, intrínseca no meu viver.
A diferença vai até onde eu querer, e se eu quiser,
Se eu quiser...pego na minha rima. Já poderei partir.