31 de dezembro de 2018

Navio de papel

Um dia quis ser porto seguro.
Peguei na alma e retirei o muro,
Deixando apenas o porão cheio de ideias e de pó.
Inundado de pensamentos do quão me sentia só.

Um dia quis sentir-me seguro.
Peguei num amor sem furo
E multipliquei-o, encontrando dois sem ferida,
Sem início nem comparação de medida.

Ainda questiono se faz sentido ser porto e ser seguro.
Ainda questiono se navego em águas pra lá de conhecidas,
Para lá do que se considera verdadeiro e puro.

Ora, mas eu sou um navio de papel e o meu mar é o mundo.
Se o mundo me der dois corações, haja proa e haja popa
Para guiar e ser guiado, pois acredito que não irei ao fundo.

[ Ninguém imaginava um navio frágil a renascer ao invés de uma fénix, não é verdade ? Passou muito tempo sem ter revisitado a escrita, talvez por me encontrar em mares nunca dantes navegados, ou talvez, apenas demasiado fortes para encontrar o equilíbrio. Queria contar toda a história de como o amor é imprevisível e pode acontecer de formas que nunca poderíamos imaginar, mas quero deixar a metáfora do poema falar por si: por vezes somos o porto seguro de alguém, por vezes gostaríamos de nos sentir num porto seguro com alguém. Por vezes, o mar que navegamos pode dar-nos ambos, em tempos diferentes, em pessoas diferentes, e não deixar de ser amor. Tenho um rumo imprevisível pela frente, com tantos projetos por realizar. Mas já sei que o apoio de quem me orienta na navegação, é incondicional. Obrigado a vocês. Desejos de um excelente ano novo. Quem sabe, nos voltaremos a ver aqui. :)  ]

16 de maio de 2016

No muro alto

Sentado num muro de pedra, vejo a Primavera do alto.
Um tempo em que o amor e as chuvas dançam juntos
Ao sabor dos ventos e do coração em sobressalto.
Aguardando a vinda dum destino vão, aqui sentado,
Enfrento a atracção pela dor inevitável de querer alguém.
Embora a solidão me abrace de forma tão confortável,
Sinto-me afundar cada vez mais no abraço de ninguém.

Quanto dói, oh, nem imagina este papel inocente.
Todo este sol a iluminar o horizonte vasto
E só vejo amargura nesta existência sensiente.
Observo beleza, esperança ao ver felicidade alheia,
Mas a minha motivação está a perder a "tinta".
Cada pedaço de esperança se torna desespero
Pois parece ser sempre prematuramente extinta.

Deste muro alto imagino o mundo sem mim,
Realmente pouca diferença lhe faria.
Então por que tenho de me sentir assim ?
O sucesso é conquistado, não está escrito.
A existência é a magia, os seus efeitos uma realidade.
Sofrerei, bem sei, toda a magia tem o seu segredo,
Mas sofrerei sabendo que vivo, e isso vale por toda a eternidade.

[ A desilusão reina numa mente perturbada por todos os insucessos que tem de enfrentar durante a sua vida. É difícil encontrar motivação para continuar a tentar, mais difícil ainda encontrar a tão cobiçada "felicidade" de que tanto falam. O tempo urge e não nos sentimos realizados, orgulhosos do progresso ou com vontade de aspirar a mais e maior; uma tragédia perfeita, pensamos. E a verdade é que irão sempre existir insucessos a todos os níveis, a alma irá quebrar, a vontade irá esmorecer, a solidão irá reinar no nosso coração pois não nos sentimos compreendidos e até a ajuda que chegar até nós parecerá distante e fria. Mas, no fim, só existe uma garantia: se não tentarmos, nada irá acontecer. Demore o tempo que demorar até nos sentirmos melhor, não podemos deixar de insistir, não podemos desistir. E por muito que culpemos o que nos rodeia pela nossa condição, o isolamento não é solução. Valorizemos os nossos actos que têm impacto nos outros, mesmo que eles não o façam. Aquele sorriso espontâneo valerá sempre a pena ver. Há amor escondido em todos os gestos. Não é preciso querer o mundo, podemos apenas querer ser melhores que ontem e apreciar o que o mundo tem para oferecer hoje. Alguém saberá ver isso e corresponder. Não esgotem a vossa "tinta"...! ]

19 de fevereiro de 2016

Um olhar anónimo também sente

No rescaldo da carência,
Da intimidade e indecência
Contemplo o vazio cheio
Do vaguear do olhar.
O corpo pede, subtilmente,
O colidir de desejos nus
Entre resquícios de luz
E o calor de fim de tarde.
Anónimos se acodem
Sem buscar amor,
Não mais que uns lábios
Fisicamente sãos e sábios.
Amor um estranho conceito  ?
Improvável talvez,
Dele não existe escassez,
Até em meros estranhos.
Pois com os meus olhos fixados
Nos teus olhos vivos e calados
Eu senti o coração ferver.
Até um olhar anónimo sente.

[ É difícil acreditar por vezes que nos invade o pensamento de que não somos amados; de que a lembrança dos outros para connosco é não mais que algo arbitrário, ligado ao desejo, ligado à necessidade alheia de querer algo em troca. A verdade é que talvez não estejamos a ver tudo o que o nosso olhar nos diz, ou mais, o que o olhar dos outros nos diz. Existem olhares intensos, cheios de paixão interior que nos tocam, mesmo quando a pessoa é estranha, quando a alma ainda não nos tocou. Um romance não tem de começar sempre com um ramo de rosas e um passeio ao luar, da mesma forma que um encontro físico e fugaz não tem garantidamente um fim abrupto. Um romance começa quando dois olhares se cruzam verdadeiramente e expõem o que realmente somos. ]