17 de dezembro de 2013

Espíritos errantes

Ver além do horizonte como quem tem fome de sede,
Querer explorar o longínquo como quem tem sede de fome,
Encontrar o que não se procura e perder a noção de nada;
Há pedras bem maiores que o nosso pequeno mundo.

Sentado num banco como quem corre todo o parque,
Escalar toda uma montanha como quem se senta no chão,
O esforço duma mão fechada é igual ao da mão aberta;
Há vontades maiores que a nossa vã cobiça.

Existe moral no moralista que não pratica ?
Existe força num coração que por amor não bate ?
Existe conceito de extremo que se enquadra no meio termo ?

Um espírito não julga nem desiste teimosamente.
Um espírito pode elevar o mar fazendo chover.
Um verdadeiro espírito é só seu, livre e errante.


[ As fraquezas humanas não são realmente fraquezas, assim como as qualidades. Muitos ignoram a verdadeira essência das coisas, tanto quanto ignoram o que está para além delas. Cada espírito tem os seus gostos e a sua forma de ver o mundo, mas quantos espíritos saberão coexistir ? Quem sabe, mesmo quando não se procura, encontra-se algo que não nos desperta o interesse mas mostra a sua individualidade e potencial, e isso deixa de ser um vazio; é algo com que se pode aprender. Quem quiser viver para sempre no seu mundo é livre para tal, e a questão coloca-se: será isso liberdade ? ]

10 de maio de 2013

Uma gota de tudo

"Como é que está hoje ?"
Questionado, dissecado pela questão.
Respostas às cem mil rotações no cérebro,
Dez mil rotações bombeadas no coração,
Sem rotação na alma,
Desprovida de sol até no pico do seu verão.
Prevê-se um céu limpo com brisa fresca
E apenas surge vento gélido da desilusão.
Não se prevê bom tempo no futuro,
Desperdiçado fica, um tão doce serão.
É sempre assim com todas as emoções ?
Previsivelmente sentido ou imprevisível devoção ?
O nevoeiro deposita-se em mim, taciturno e cego,
Enquanto o tempo avizinha o primeiro trovão.
Vários se seguem, um menos assustador que o anterior,
Até que se observa, do fundo, um pequeno clarão.
A dor pode chegar sem avisar mas depressa vai,
No fim, só nos resta acenar com a trémula mão.
Reabilitado duma intempérie em tantas outras,
De novo, ouço com clareza essa questão:
"Então, senhor, como é que está hoje?"
A voz eleva-se da alma do mundo, certo e são.
"Hoje, está de chuva."

[ O tempo não é como nós queremos, nem é aquilo que sensibiliza o coração. Podemos abdicar de tantas oportunidades que fariam qualquer um feliz, porque não se encaixam, assim como podemos querer que o mundo nos sorria, e ele traz a tempestade. Existe timing ? Talvez. Quem sabe... ]

22 de abril de 2013

Sensibilidade solúvel

Sentado no pensamento, de coração em riste,
Pondera-se o porquê do súbito semblante triste.
Demasiada sombra rodeia o sol abrasador,
Muita pedra afiada para o pé descalço dum sonhador.

Sentado no coração, de olhos no pensamento,
Ninguém imagina o quão pequeno se torna um tormento.
Tanto e tão pouco se deixa o mundo afectar
Deste sentir vazio, deste fogo a crepitar.

Há fome evitando comer,
Há luz crescente a desaparecer,
Existe sentido sem o perceber.

Quanto chove sem nuvens haver,
Quão solúvel é sentir e ser,
O que é forte num dia, noutro pode perecer.

[ Tão imprevisível que é sentir, tão difícil que é descortinar o porquê dessa euforia discordante. Isto leva muitas vezes a racionalizar o que existe, o que não existe e o que pode existir. Uma dúvida que só existe quando algo está errado. Quando o que se sente não se explica, não se consegue extinguir. ]