19 de fevereiro de 2016

Um olhar anónimo também sente

No rescaldo da carência,
Da intimidade e indecência
Contemplo o vazio cheio
Do vaguear do olhar.
O corpo pede, subtilmente,
O colidir de desejos nus
Entre resquícios de luz
E o calor de fim de tarde.
Anónimos se acodem
Sem buscar amor,
Não mais que uns lábios
Fisicamente sãos e sábios.
Amor um estranho conceito  ?
Improvável talvez,
Dele não existe escassez,
Até em meros estranhos.
Pois com os meus olhos fixados
Nos teus olhos vivos e calados
Eu senti o coração ferver.
Até um olhar anónimo sente.

[ É difícil acreditar por vezes que nos invade o pensamento de que não somos amados; de que a lembrança dos outros para connosco é não mais que algo arbitrário, ligado ao desejo, ligado à necessidade alheia de querer algo em troca. A verdade é que talvez não estejamos a ver tudo o que o nosso olhar nos diz, ou mais, o que o olhar dos outros nos diz. Existem olhares intensos, cheios de paixão interior que nos tocam, mesmo quando a pessoa é estranha, quando a alma ainda não nos tocou. Um romance não tem de começar sempre com um ramo de rosas e um passeio ao luar, da mesma forma que um encontro físico e fugaz não tem garantidamente um fim abrupto. Um romance começa quando dois olhares se cruzam verdadeiramente e expõem o que realmente somos. ]

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